12.3.16

“Democracia está ameaçada”, alerta Suplicy depois de participar de corrida no Ibirapuera

A preocupação com o momento que o Brasil vive, de incerteza e intranquilidade, marcou a etapa de hoje da CORRIDA POR MANOEL, que começou em frente ao monumento em homenagem aos mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar, no parque Ibirapuera.

“É importante resgatar a memória de Manoel Fiel Filho e dos companheiros que tombaram na luta pela democracia, ainda mais neste momento em que ela se vê outra vez ameaçada”, disse o Eduardo Suplicy, secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania e convidado especial na jornada deste sábado.

De fato, o país assiste a cenas que lembram o que ocorria no período da ditadura militar, vê fatos que parecem nascer em um regime de exceção, não em uma democracia.

Na véspera de nossa corrida, por exemplo, uma manifestação realizada na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de Diadema foi invadida por soldados da Polícia Militar armados até com metralhadoras.

De acordo com o deputado estadual Luiz Fernando (PT), que estava no local, dois policiais armados invadiram o sindicato, enquanto outros policiais e viaturas esperavam do lado de fora do prédio.

"Teve um grande tumulto. Eles não tinham mandado e também não souberam explicar os motivos de estarem lá. Foi claramente um ato de tentar intimar a militância", disse ele à reportagem da “Folha de S. Paulo”. Havia cerca de 2.000 pessoas no ato de solidariedade ao ex-prefeito de Diadema, José Filippi Júnior, e ao ex-presidente Lula, ambos conduzidos a prestar depoimentos durante a 24ª fase da Operação Lava Jato.

Na manhã de hoje, não houve polícia nem violência. Éramos cerca de  uma dezena de corredores, desde jovens que se sensibilizam pela recuperação da memória brasileira até gente veterana. 


Foto Ayrton Vignola Jr.

Vários do grupo nem conheciam o monumento, que foi instalado em 2014 pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e estampa os nomes de 436 mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura.

O psiquiatra Pedro Braga, um dos participantes da corrida de hoje, emocionou-se ao ver ali o nome de um primo, Zoé Lucas de Britto Filho, e de um contemporâneo de escola, Emmanuel Bezerra dos Santos. 



“Meu primo fazia movimento estudantil. Foi morto aqui em São Paulo nos anos de chumbo”, disse Braga.

Com o grito de  paz “Para que não se esqueça e nunca mais aconteça”, largamos. Saímos para uma volta no parque Ibirapuera, um dos mais belos recantos da cidade.

Com projeto criado por Oscar Niemeyer mais os arquitetos Ulhôa Cavalcanti, Zenon Lotufo, Eduardo Kneese de Mello, Ícaro de Castro Mello e o paisagista Augusto Teixeira Mendes, o parque foi inaugurado em 21 de agosto de 1954 durante as comemorações do 4º Centenário de São Paulo.

O parque tem cerca de 500 espécies de plantas, de árvores gigantes a vegetais rasteiros. Tem bicho às pampas –são 218 espécies cadastradas, de borboletas a morcegos, de cágados e cobras a sabiás e papagaios.

Tem 1,6 milhão de metros quadrados, mas o que interessa, para os corredores, são as trilhas, ruas e caminhos que nos servem de rota de treino e disputa. 

Fotos Eleonora de Lucena

Os percursos mais conhecidos são a “volta de seis” ou “da cerca”, que acompanha o perímetro do parque e tem a maior parte do trajeto em chão batido, e a “volta de três”, toda no asfalto, mais no coração do parque.

Fizemos hoje uma variante do percurso interno, conversando enquanto seguíamos pelos caminhos sombreados. 

Alguns corredores ou passantes lançaram palavras de provocação ao senador Suplicy, outros vinham cumprimentá-lo.
Faz parte da vida política e da luta democrática, ainda que algumas manifestações tivessem o ranço fedido e virulento dos tempos da ditadura.

Foi durante a ditadura militar, por sinal, que Suplicy, hoje com 74 anos, ingressou na vida política parlamentar.

Em 1976, quando morreu Manoel Fiel Filho, o eterno senador de São Paulo já era um economista reconhecido, professor universitário e articulista da “Folha” –antes, fora editor de economia da revista especializada “Visão”.

“Eu estava muito ligado à importância de nós garantirmos as liberdades democráticas, a liberdade de imprensa, que estava sendo objeto de restrições, como naquele episódio em que houve a morte de Vladimir Herzog. Ele foi morto por tortura. Eu me lembro muito bem da notável mobilização que começou a acontecer”, me disse Suplicy em um entrevista que fizemos dias antes de nossa CORRIDA POR MANOEL.

Ele segue: “Três meses após a morte de Vladimir Herzog houve a morte deste trabalhador metalúrgico que pelo fato de ser uma assinante, leitor, de um jornal do Partido Comunista, resolveu ser perseguido e levado ao DOI-CODI, e lá torturado, e infelizmente faleceu. Isto causou novo impacto em todos nós que queríamos muito assegurar o direito à liberdade de pensamento, à liberdade de imprensa, liberdade de associação, de formação de partidos, de tudo aquilo que acabou resultando. Esses episódios foram fazendo com que a consciência nossa, pelas liberdades democráticas, fosse aumentando. Eu, por exemplo, em 1976, participei com diversos amigos, voluntariamente, da campanha para eleger um jovem, Flávio Flores da Cunha, para vereador pelo MDB [Movimento Democrático Brasileiro]”.

Fazia política, mas não deixava de cuidar da boa forma. Gostava de praticar boxe, esporte que aprendeu a praticar ainda menino –“Com dez, 11, 12 anos, eu fui campeão de boxe na minha categoria”, lembra ele em nossa conversa.

Corria só para garantir a movimentação no ringue. Em 1988, quando se elegeu o vereador mais votado de São Paulo, concorrendo pelo PT, festejou a passagem do ano correndo a São Silvestre.


Já lá se vão quase 30 anos. De qualquer forma, Suplicy se garantiu bem na volta que fizemos no Ibirapuera –quem sabe, com um pouco mais de treino, ele se anime a enfrentar novamente a São Silvestre.

No caminho, fizemos uma parada estratégica para beber uma água de coco. Não foi apenas um momento de descanso, mas também de mergulho em outra história de lutas, a da construção da Cooperativa dos Vendedores Autônomos do Parque Ibirapuera.

Paramos no carrinho de dona Antonia Celeide de Oliveira, cearense de 51 anos, presidenta da entidade, que reúne 115 associados. Ela nos contou como a união e a organização dos ambulantes mudou a vida de cada um, de seus filhos e netos.

Foto Rodolfo Lucena

“Hoje a gente é respeitada, antes não era”, disse Antonia. “Muitas pessoas não acreditavam, porque ambulantes ou marreteiros são discriminados. Mas nós acreditávamos”.

Foi uma parada longa, mais de dez minutos. Parava gente para ouvir Suplicy e dona Antonia, para cumprimentar. Um ou outro, depois de passar, gritava, às escondidas, “Fora PT”. Para um deles, Suplicy respondeu: “O PT vai continuar, amigo”.

A quem perguntasse na boa, porém, ele respondia que nossa corrida ali era suprapartidária, uma manifestação em defesa dos direitos humanos, uma homenagem a quem lutou pela democracia no Brasil.

E assim seguimos, de volta ao monumento que foi criado por Ricardo Ohtake e está instalado próximo ao portão dez do parque.

Festejamos a conclusão do circuito, que acabou sendo um pouco mais longo que o esperado –Suplicy vem treinando três quilômetros com a regularidade possível. Depois de um brado de “Manoel Fiel Filho, presente!”, saímos cada qual para cuidar da vida.

Eu fiquei mais um pouco, revendo os nomes gravados nas folhas de aço. Ainda bem, porque logo chegava ali Rogério Sottili, secretário especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.

Não conseguiu aparecer antes, mas fez questão de levar seu apoio à CORRIDA POR MANOEL. E deu um breve depoimento, destacando o quão necessária é a recuperação da memória das lutas democráticas em nosso país.



Eis a palavra de Sottili:
“Lembrar hoje os 40 anos da morte do Manoel Fiel Filho é muito importante por vários motivos, porque nós estamos vivendo no Brasil um momento muito difícil da história de nosso país.

“Ameaças importantes à democracia estão ocorrendo, ameaças de redução de direitos conquistados com muita luta, com muito suor, com muito sangue pelo povo brasileiro estão acontecendo quase que diariamente no Brasil, com muitos movimentos de ódio, movimentos de ameaça, de saudosismo à ditadura militar.

“Tudo isso acontece porque nós não elaboramos de forma adequada todos os processos de violência na história do Brasil; entre eles, a ditadura militar. Nós não elaboramos porque, ao invés de fazermos justiça, nós fizemos homenagens aos torturadores, homenagens aos ditadores, como o viaduto Costa e Silva, o viaduto 31 de Março, como várias avenidas e ruas da cidade de São Paulo. 
Ao homenagearmos essas figuras, nós sinalizamos para as populações futuras que as pessoas podem cometer qualquer crime que serão impunes.

“Relembrar os 40 anos da morte de Fiel Filho significa a gente sinalizar que nós ainda queremos justiça, para que nunca mais venham a ocorrer ditaduras, mortes e torturas.

“É isso que estamos fazendo neste momento na história do Brasil: é relembrar, mudar nomes de ruas, promover mudanças importantes para que a gente possa, definitivamente, virar essa página da história e viver num país com liberdade, com democracia e, fundamentalmente, com direitos humanos.”


CORRIDA POR MANOEL – 22ª etapa

Destino de hoje: Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos Políticos na Ditadura Militar, percurso de 3,36 km realizado em 29min30.

Distância percorrida até agora: 217,02 km


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