23.2.15

Aposentado precisa se cuidar contra golpes de escroques engravatados


Não basta a gente trabalhar a vida inteira para enfim conseguir se aposentar; não basta a gente ganhar pouco na hora da aposentadoria; é preciso agora tomar cuidado contra alguns espertalhões que tentam meter a mão no nosso dinheirinho duramente conquistado.

Eles estão por toda a parte e aparecem até mesmo em escritórios refrigerados, vestidos de terno e gravata: advogados que não honram sua carteirinha da OAB têm praticado golpes contra aposentados, fingindo que estão ajudando.

É o que mostrou reportagem do “Fantástico” que foi ao ar em janeiro passado. 

Eu volto ao assunto porque me parece ser de interesse público deixar o maior número possível de pessoas avisado das tramoias e trapaças desses espertalhões.

Nos casos revelados pelo programa da Rede Globo, as vítimas foram trabalhadores rurais de cidades interioranas; mas todos nós precisamos ficar alertas, porque há golpistas e salafrários em todo o canto.

O golpe vem disfarçado de oferta de ajuda.

A história se dá assim: às vezes, o pedido de aposentadoria do trabalhador rural (ou do urbano) o trabalhador vai parar na Justiça. A decisão pode levar um tempão para sair, mas, quando o caso é resolvido, o trabalhador recebe uma bolada, pois tem direito a todos os atrasados desde que iniciou o processo.

O problema é que grande parte desse dinheiro não chega ao bolso do aposentado, que está pagando a advogados honorários que a Justiça considera extorsivos. Um batelão deles já foi identificado e está sendo processado pelo Ministério Público Federal.

O advogado chega para o trabalhador rural e diz que consegue acelerar o processo ou que garante a aposentadoria, promete mundos e fundos. E embolsa um tantão do dinheiro ganho tão sofridamente pelos homens e mulheres do campo.

No interior da Bahia, 28 advogados foram denunciados na Justiça Federal por essa cobrança abusiva.
A reportagem do Fantástico conseguiu falar com um deles, Romilson Nogueira. Ele disse que cobra “O que o estatuto da ordem fala: 20%”.

De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal, Romilson Nogueira cobrou 50% de uma de pelo menos uma de suas clientes, Ercília Rodrigues, de 64 anos. Ela tinha direito a R$ 12 mil de retroativo, mas só ganhou metade, segundo a denúncia apresentada à Justiça.

 Há casos ainda mais graves, que vão além da cobrança de metade dos retroativos. Alguns advogados, mostrou a reportagem dói Fantástico, cobram também parte do benefício mensal do trabalhador. A vítima é obrigada a dividir com o causídico a aposentadoria de um salário mínimo.

 “A gente é livre para trabalhar e elas são livres para contratar. Ninguém está forçando”, disse o advogado Fábio Oliveira de Souza, que fez a dita cobrança.

Mas tudo pode piorar, conforme mostrou a reportagem, que encontrou em São João Del Rei o senhor Domingos, que perdeu as pontas dos dedos moendo cana. Ele tinha direito a R$ 9,3 mil de atrasados. Mas nunca viu a cor desse dinheiro. E procurou o advogado para saber por quê.

“Ele pegou e falou que o direito era dele, dos atrasados, dez salários e 35%. Ele ainda falou que se, fosse cobrar atualmente o valor certo, que eu ainda ficava devendo para ele”, conta o aposentado Domingos Sales de Sá.

A coisa ganha ares de armação quando se descobre que os advogados do senhor Domingos (e de outras vítimas da região) foram indicados a ele pelo presidente do sindicato dos trabalhadores rurais e vereador do PSD, Geraldo Kenedy.

“Eu tento de todo jeito auxiliar as pessoas na aposentadoria”, disse ele à TV. Mas confirmou que os advogados ficavam com tudo mesmo: “Era cobrado o valor total do retroativo. Alguns casos. Estranho a gente acha, mas se foi combinado, a pessoa aceitou no início, depois eu não tenho. Como que eu vou fazer?”.

Um dos advogados, Leonardo de Almeida Magalhães, disse o seguinte: “Uns que eu recebi, que eu fiquei com os atrasados, a proposta foi exatamente do cliente. A questão de alegar que são analfabetos ou semianalfabetos isso aí, infelizmente eu considero uma desculpa. Porque eu não tenho que dar satisfação para o Ministério Público Federal ou Estadual. A tabela da OAB, ela especifica o mínimo que deve ser cobrado, não estipula o máximo”.

O corregedor nacional da OAB, Claudio Stabile, diz que não é assim: “Existe regra que impede que o advogado receba um valor maior do que o cliente ao final do processo”.

Caso como esses –centenas deles, segundo a reportagem do “Fantástico”—estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal.

A Ordem dos Advogados do Brasil contesta a ação do Ministério Público Federal. “Não cabe ao Ministério Público Federal punir ou julgar infração ética de advogado. Nos termos da lei, cabe ao tribunal de ética e disciplina da OAB julgar a infração ética”, segundo Stabile.

A procuradora da República Ludmila Oliveira retruca: “O Ministério Público está pedindo que seja limitada a cobrança de honorários nessas causas previdenciárias de baixa complexidade, até 20%. E os valores que foram cobrados além desse limite que sejam ressarcidos para os clientes”.

Há mais, segundo mostrou a reportagem televisiva.

“São investigados os crimes de apropriação indébita, que é o crime exatamente de uma pessoa que se apropria de um valor que não é seu. Há também o crime de sonegação fiscal. Há ainda o crime de patrocínio infiel, que é a situação na qual o advogado trai confiança do seu cliente”, diz o procurador Lucas Gualtieri.

Na cidade de Guanambi, na Bahia, advogados denunciados pelo Ministério Público foram condenados pela Justiça Federal a devolver em dobro todo o dinheiro que receberam a mais. E ainda ao pagamento de uma multa que equivale à metade dos valores que ultrapassaram o teto máximo de 20% de honorários.

Os advogados da Bahia recorreram da condenação da Justiça Federal de Guanambi. Agora a decisão cabe ao Tribunal Regional Federal, em Brasília.

“É bom deixar claro também que quem pratica ilícito são a minoria. A minoria da advocacia. Hoje no país nós temos quase 1 milhão de advogados, e a grande maioria é formada por advogados honestos”, destaca Alex Barbosa de Matos, presidente da OAB-Manhuaçu (MG).


O certo é que a gente precisa ficar esperto e se proteger. Como se vê, espertalhões estão de olho mesmo em quantias pequenas. Há que desconfiar de ofertas que parecem miraculosas. E procurar ajuda em sindicatos e associações de trabalhadores e de aposentados, ouvir amigos e colegas de trabalho, enfim, tentar estar bem informado para não cair na coinversa fiada de escroques engravatados.

1 comment:

  1. Não sei se você já leu Utopia (Thomas Morus) mas há um trecho curioso nesta ilha perfeita que diz que lá não existe advogados. Todos os cidadãos conseguem interpretar facilmente as leis por não serem complexas, vazias de termos em latin e outros ininteligíveis, excluindo assim a necessidade de um "interprete" para a tal. O problema de uma legislação complexa é que, dependendo de sua índole, tal intérprete pode se utilizar de métodos sofistas para se dar bem.

    ReplyDelete