Não basta a gente trabalhar a vida inteira para enfim conseguir se
aposentar; não basta a gente ganhar pouco na hora da aposentadoria; é preciso
agora tomar cuidado contra alguns espertalhões que tentam meter a mão no nosso
dinheirinho duramente conquistado.
Eles estão por toda a parte e aparecem até mesmo em escritórios
refrigerados, vestidos de terno e gravata: advogados que não honram sua
carteirinha da OAB têm praticado golpes contra aposentados, fingindo que estão
ajudando.
É o que mostrou reportagem do “Fantástico” que foi ao ar em janeiro
passado.
Eu volto ao assunto porque me parece ser de interesse público deixar o
maior número possível de pessoas avisado das tramoias e trapaças desses espertalhões.
Nos casos revelados pelo programa da Rede Globo, as vítimas foram
trabalhadores rurais de cidades interioranas; mas todos nós precisamos ficar
alertas, porque há golpistas e salafrários em todo o canto.
O golpe vem disfarçado de oferta de ajuda.
A história se dá assim: às vezes, o pedido de aposentadoria do
trabalhador rural (ou do urbano) o trabalhador vai parar na Justiça. A decisão
pode levar um tempão para sair, mas, quando o caso é resolvido, o trabalhador
recebe uma bolada, pois tem direito a todos os atrasados desde que iniciou o
processo.
O problema é que grande parte desse dinheiro não chega ao bolso do
aposentado, que está pagando a advogados honorários que a Justiça considera
extorsivos. Um batelão deles já foi identificado e está sendo processado pelo
Ministério Público Federal.
O advogado chega para o trabalhador rural e diz que consegue acelerar o
processo ou que garante a aposentadoria, promete mundos e fundos. E embolsa um
tantão do dinheiro ganho tão sofridamente pelos homens e mulheres do campo.
No interior da Bahia, 28 advogados foram denunciados na Justiça Federal
por essa cobrança abusiva.
A reportagem do Fantástico conseguiu falar com um deles, Romilson
Nogueira. Ele disse que cobra “O que o estatuto da ordem fala: 20%”.
De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal,
Romilson Nogueira cobrou 50% de uma de pelo menos uma de suas clientes, Ercília Rodrigues, de 64 anos. Ela
tinha direito a R$ 12 mil de retroativo, mas só ganhou metade, segundo a
denúncia apresentada à Justiça.
Há casos ainda mais graves, que
vão além da cobrança de metade dos retroativos. Alguns advogados, mostrou a
reportagem dói Fantástico, cobram também parte do benefício mensal do
trabalhador. A vítima é obrigada a dividir com o causídico a aposentadoria de
um salário mínimo.
“A gente é livre para trabalhar e
elas são livres para contratar. Ninguém está forçando”, disse o advogado Fábio
Oliveira de Souza, que fez a dita cobrança.
Mas tudo pode piorar, conforme mostrou a reportagem, que encontrou em São
João Del Rei o senhor Domingos, que perdeu as pontas dos dedos moendo cana. Ele
tinha direito a R$ 9,3 mil de atrasados. Mas nunca viu a cor desse dinheiro. E
procurou o advogado para saber por quê.
“Ele pegou e falou que o direito era dele, dos atrasados, dez salários e
35%. Ele ainda falou que se, fosse cobrar atualmente o valor certo, que eu
ainda ficava devendo para ele”, conta o aposentado Domingos Sales de Sá.
A coisa ganha ares de armação quando se descobre que os advogados do
senhor Domingos (e de outras vítimas da região) foram indicados a ele pelo
presidente do sindicato dos trabalhadores rurais e vereador do PSD, Geraldo
Kenedy.
“Eu tento de todo jeito auxiliar as pessoas na aposentadoria”, disse ele
à TV. Mas confirmou que os advogados ficavam com tudo mesmo: “Era cobrado o
valor total do retroativo. Alguns casos. Estranho a gente acha, mas se foi
combinado, a pessoa aceitou no início, depois eu não tenho. Como que eu vou
fazer?”.
Um dos advogados, Leonardo de Almeida Magalhães, disse o seguinte: “Uns
que eu recebi, que eu fiquei com os atrasados, a proposta foi exatamente do
cliente. A questão de alegar que são analfabetos ou semianalfabetos isso aí,
infelizmente eu considero uma desculpa. Porque eu não tenho que dar satisfação
para o Ministério Público Federal ou Estadual. A tabela da OAB, ela especifica
o mínimo que deve ser cobrado, não estipula o máximo”.
O corregedor nacional da OAB, Claudio Stabile, diz que não é assim: “Existe
regra que impede que o advogado receba um valor maior do que o cliente ao final
do processo”.
Caso como esses –centenas deles, segundo a reportagem do “Fantástico”—estão
sendo investigados pelo Ministério Público Federal.
A Ordem dos Advogados do Brasil contesta a ação do Ministério Público
Federal. “Não cabe ao Ministério Público Federal punir ou julgar infração ética
de advogado. Nos termos da lei, cabe ao tribunal de ética e disciplina da OAB
julgar a infração ética”, segundo Stabile.
A procuradora da República Ludmila Oliveira retruca: “O Ministério
Público está pedindo que seja limitada a cobrança de honorários nessas causas
previdenciárias de baixa complexidade, até 20%. E os valores que foram cobrados
além desse limite que sejam ressarcidos para os clientes”.
Há mais, segundo mostrou a reportagem televisiva.
“São investigados os crimes de apropriação indébita, que é o crime
exatamente de uma pessoa que se apropria de um valor que não é seu. Há também o
crime de sonegação fiscal. Há ainda o crime de patrocínio infiel, que é a
situação na qual o advogado trai confiança do seu cliente”, diz o procurador
Lucas Gualtieri.
Na cidade de Guanambi, na Bahia, advogados denunciados pelo Ministério
Público foram condenados pela Justiça Federal a devolver em dobro todo o
dinheiro que receberam a mais. E ainda ao pagamento de uma multa que equivale à
metade dos valores que ultrapassaram o teto máximo de 20% de honorários.
Os advogados da Bahia recorreram da condenação da Justiça Federal de
Guanambi. Agora a decisão cabe ao Tribunal Regional Federal, em Brasília.
“É bom deixar claro também que quem pratica ilícito são a minoria. A
minoria da advocacia. Hoje no país nós temos quase 1 milhão de advogados, e a
grande maioria é formada por advogados honestos”, destaca Alex Barbosa de
Matos, presidente da OAB-Manhuaçu (MG).
O certo é que a gente precisa ficar esperto e se proteger. Como se vê,
espertalhões estão de olho mesmo em quantias pequenas. Há que desconfiar de
ofertas que parecem miraculosas. E procurar ajuda em sindicatos e associações
de trabalhadores e de aposentados, ouvir amigos e colegas de trabalho, enfim, tentar estar bem
informado para não cair na coinversa fiada de escroques engravatados.
Não sei se você já leu Utopia (Thomas Morus) mas há um trecho curioso nesta ilha perfeita que diz que lá não existe advogados. Todos os cidadãos conseguem interpretar facilmente as leis por não serem complexas, vazias de termos em latin e outros ininteligíveis, excluindo assim a necessidade de um "interprete" para a tal. O problema de uma legislação complexa é que, dependendo de sua índole, tal intérprete pode se utilizar de métodos sofistas para se dar bem.
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